terça-feira, 15 de maio de 2012

Um certo Glauber

Há um ano e três meses, o jovem saía de casa e desaparecia próximo ao prédio onde trabalhava, numa das avenidas mais movimentadas de Salvador

Foto: Reprodução

“Morreu, seu filho está morto”. Esta foi a frase que a aposentada Marisa Santos, 63, escutou de um agente da Polinter, aonde fora buscar notícias sobre Glauber Fausto da Silva Santos, 27, desaparecido em 21 de agosto de 2009. Moradora do bairro da Valéria, no limite do perímetro urbano, dona Marisa também é mãe de Aline e George, mas Glauber era o mais apegado a ela: não pensava em se casar e vivia bem em casa, apaixonado por surf e motocicletas. 

A cama do rapaz que tem tatuagens no braço e na barriga – um Patolino e uma gárgula, figura mitológica metade humana e metade monstro – continua arrumada, do jeito que ele viu ao sair para trabalhar no Centro de Operações Financeiras Petrobras, localizado na avenida Tancredo Neves, na manhã de uma sexta-feira. Naquele dia, dona Marisa fez o almoço para ele levar, preparou sua mochila e recebeu do filho um beijo na testa como forma de agradecimento. O auxiliar administrativo pediu carona a George, já que a moto estava com problemas. Antes de sair, foi ao quarto, colocou uma corrente de prata e perguntou: 

“Mãe, estou bonito?”
“Meu filho, você é sempre bonito, mas deixe pra usar isso amanhã que é sábado”.
“A senhora arruma meu quarto?”
“Você sabe que eu arrumo toda sexta...”
“Mas eu quero que a senhora arrume agora”.

Dona Marisa se despediu do filho e ao entrar no quarto percebeu que ele havia deixado sua pochete, coisa que jamais fazia. Outra coisa que chamou a atenção foi o lençol estirado, a cama arrumada, algo também que não era do feitio de Glauber. A mãe só pressentiu que as coisas não iam bem quando não recebeu os telefonemas costumeiros do filho, por volta das 9 da manhã e ao meio-dia, antes do almoço. Àquela altura, George já havia recebido ligação da empresa por volta das 8 da manhã, pois Glauber não havia batido o ponto, mas Dona Marisa só saberia disso? na manhã de domingo. “Quando eu ouvi 'minha mãe, o Glauber desapareceu', aí pronto, foi o fim. Até hoje não costurei a bermuda que ele pediu para consertar porque estou esperando por ele...”, afirma.

O percurso das buscas foi o mesmo seguido por outras famílias: registro na Polinter após 24 horas (por orientação dos agentes), procura no Instituto Médico Legal e anúncio no Quadro Desaparecidos da TV Bahia. Além disso, espalharam cartazes pela cidade, na esperança de obter alguma informação. Nada, nenhum telefonema foi recebido. D. Marisa e George acreditam que investiram cerca de R$ 10 mil com a divulgação de fotos, organização de grupos de motociclistas que já percorreram locais como a ilha de Itaparica e a contratação de um detetive. De acordo com os dados oficiais, foram 645 casos de desaparecimento em Salvador no ano de 2009, dos quais 541 foram encontrados, grupo que não inclui o filho de dona Marisa. 

    CAMINHOS TURVOS | Apesar das informações de agentes da Polinter, 
dona Marisa ainda esperar reencontrar o filho com vida. Foto: Tom Correia.


No sábado, 21 de agosto, exatamente um ano após o desaparecimento, a aposentada chegou ao quarto arrumado com a nítida sensação de que ele estaria lá. Chegou na entrada e disse “Glauber, cheguei”, tentando imitar a forma como o filho fazia ao voltar da rua. “Até hoje não me conformei, não consigo me concentrar nas coisas. Perdi o ânimo até de ir à Igreja Renascer, único lugar onde encontrei algum tipo de conforto”, murmura.  A família acredita que o sumiço de Glauber tenha relação com o tráfico na região, já que ele era usuário de drogas. Além disso, a família alugou um imóvel a um suposto traficante, um dos suspeitos pelo desaparecimento. Segundo George, o detetive descobriu através de gravações telefônicas e fotografias que há fortes indícios da eliminação do irmão, mas para resolver o caso eles teriam de abandonar a casa onde moram. “Ele jamais saía de casa sem dizer onde estava, além de ser muito 'família'. Não gostava nem de comer na rua, dizia que passava mal, que só se sentia bem em casa”, relembra George. A causa provável do desaparecimento pode ser outro fator que desmotiva a polícia para investigar o caso em profundidade, deixando os parentes em eterno suspense, já que não há prova material do suposto crime. Atenta aos entraves policiais e judiciários, dona Marisa queria apenas uma resposta diferente da que recebeu. 

“Ouvir que meu filho está morto foi muito duro pra mim, eu disse ao agente. Ele me respondeu apenas que eu tinha de me conformar, pois a polícia trabalha apenas com a realidade”, conclui.

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